Farinhas enriquecidas com ferro e ácido fólico e a dieta vegetariana: esclarecendo os mitos
Histórico
Em 2002 a Anvisa publicou a Consulta Pública número 51 prevendo a fortificação de farinhas de trigo e milho com ácido fólico, que teria por objetivo prevenir a má formação do tubo neural (estrutura precursora do cérebro e da medula espinhal) no feto.
Estudos demonstram que 70% dos casos de defeitos do tubo neural podem ser evitados com a suplementação do ácido fólico. A vitamina é encontrada em vegetais verde-escuros, frutas cítricas e cereais, além de produtos animais como fígado e carnes em geral.
Além do ácido fólico, a proposta da Anvisa também especificava a adição de ferro à farinha com a finalidade de prevenir a anemia ferropriva, o que já havia sido proposto em outra Consulta pública no ano anterior. A justificativa é que, segundo o Ministério da Saúde, 45% das crianças de até cinco anos (cerca de 10 milhões de pessoas) tenham algum grau de anemia.
A Consulta Pública foi adiante e virou legislação e o prazo para as indústrias se adequarem encerrou-se em 18 de junho de 2004. Hoje, todas as farinhas de trigo e milho, com exceção, por limitações de processamento tecnológico, de algumas formas dessas farinhas, são fortificadas com as substâncias. Para a indústria, o custo da fortificação da farinha é muito baixo. Para 100 kg do alimento são gastos, no máximo, R$ 0,05, ou seja, R$ 0,0005 para cada quilo, valor irrelevante no custo final do produto. Ainda assim, não deixam de haver custos indiretos para a implantação e adequação à nova legislação, como, por exemplo, ajustes no maquinário e revisão das embalagens.
Boatos na comunidade vegetariana
Foi apenas em 2005 que a comunidade vegetariana voltou a sua atenção para a questão. Desde então, diversos boatos passaram a surgir e, para sanar ás dúvidas que têm chegado a mim diariamente, reúno abaixo os esclarecimentos necessários acerca dessa questão.
A questão que passou a ser levantada pela comunidade vegetariana (a vegana em especial) pode ser sumarizada pelo seguinte trecho de uma mensagem recebida: “Fiquei sabendo da lei que aprovaram dos alimentos serem enriquecidos com ácido fólico e ferro, e isso é obtido da hemoglobina, pelo que sei. Se você puder me informar se tem marcas que usam formas sintéticas de obter isso, agradeço”.
A partir desse mal-entendido, enquanto os boatos continuam a aumentar, alguns indivíduos deixam de consumir qualquer alimento que tenha sido preparado com farinhas de trigo ou milho, o que não se justifica, pois essas farinhas NÃO SÃO FORTIFICADAS COM COMPOSTOS DE ORIGEM ANIMAL!
Fatos e esclarecimentos
A Anvisa determinou que possam ser utilizados na fortificação os seguintes compostos: sulfato ferroso desidratado (seco); fumarato ferroso; ferro reduzido – 325 mesh Tyler; ferro eletrolítico – 325 mesh Tyler; EDTA de ferro e sódio (NaFeEDTA) e ferro bisglicina quelato. Outros compostos podem ser usados desde que atendam, no mínimo, ao mesmo nível de biodisponibilidade dos compostos citados acima.
Todos os compostos utilizados na fortificação são de origem química ou sintética, conforme explica a nutricionista da empresa Albion, Dra. Jussara Guerra Rodrigues: “Dentre as fontes listadas na Portaria da Anvisa e no manual da EMBRAPA, nenhuma é de origem animal. A maioria são subprodutos da indústria química (como o sulfato ferroso e o ferro reduzido), outras são sintetizadas pelos laboratórios, como o ferro EDTA e o ferro aminoácido quelato (Albion). Esse último apresenta uma estrutura similar à estrutura da hemoglobina (2 anéis heterocíclicos formados por glicina), porém não é utilizada nenhuma fonte animal, sendo inclusive certificado como Kosher Parve e isento de organismos geneticamente modificados”.
O ferro oriundo da hemoglobina (animal) chegou a ser considerado para a fortificação, mas foi desqualificado devido ao risco da presença de contaminantes. Também o custo do composto de origem mineral é inferior. Para chegar a essa conclusão, basta uma reflexão sobre a logística que seria necessária para colher, transportar, armazenar, processar e controlar o sangue obtido de frigoríficos. Os compostos minerais são mais facilmente controlados e processados e por isso nenhuma indústria optou por insistir em compostos oriundos de produtos animais.
A nutriVeg Consultoria em Nutrição Vegetariana contatou algumas das indústrias químicas que fornecem a matéria-prima às indústrias alimentícias e obteve algumas respostas esclarecedoras. Seguem abaixo alguns trechos dessas respostas.
Mcassab: “Informamos que não são utilizados derivados de hemoglobina animal em fortificação de farinhas. Geralmente usa-se ferro reduzido ou sulfato de ferro”.
Roche: “Informamos que os sais de ferro que temos em nossas formulações são minerais inorgânicos”
As exigências da legislação e as respostas das indústrias químicas são bastante claras e objetivas e não deixam dúvida sobre a questão: no Brasil, a fortificação de farinhas com ferro e ácido fólico não envolve a utilização de produtos animais.
Intervenções em saúde pública para vegetarianos e veganos
Enquanto os vegetarianos e especialmente os veganos poderiam beneficiar-se mais da fortificação de alimentos com a vitamina B12 ao invés do ácido fólico, há justificativas de saúde pública para a fortificação de farinhas com os compostos previstos nessa legislação, apesar da prática também ser passível de contestação.
A existência de questões como “todos devem ser submetidos à fortificação com ferro e ácido fólico quando muitos não necessitariam dessas substâncias adicionadas” sempre será um dilema interminável em saúde pública, pois nessa área as intervenções nem sempre (ou raramente) beneficiam a todos. Alguns irão comemorar os benefícios da adição do mineral e da vitamina às farinhas, pois esses são de fato carentes em determinados estratos populacionais, enquanto outros irão argumentar que o consumo excessivo de ferro é nocivo aos que já têm ingestão e níveis normais do mineral e assim por diante.
A intervenção correta seria uma pontuada, que oferecesse o nutriente carente às populações especificamente carentes no nutriente, e apenas a essas. Mas isso é uma utopia no nosso modelo social atual. Os veganos, que se beneficiariam da fortificação de alimentos com a vitamina B12 poderão um dia comemorar a implementação de uma estratégia ampla nesse sentido, enquanto outros grupos criticarão a iniciativa. Aliás, a deficiência de vitamina B12 também tem uma importante correlação positiva com a incidência de má formação do tubo neural, motivo que justificou a fortificação com o ácido fólico, mas olvidou o papel conjunto da vitamina B12.
Vegetarianos e veganos podem ficar tranqüilos com relação ao assunto da fortificação, uma vez que é claro que o processo de fortificação de farinhas com ferro e ácido fólico no Brasil não envolve o uso de produtos de origem animal.
À Sua Saúde!
Email recebido do
Dr George Guimarães Nutricionista CRN-3 7708
www.nutriveg.com.br